Blog da Casa de Caridade Luz Divina - dirigente espiritual Vovó Luiza

15 de março de 2013

A Luz dos Orixás



Em uma noite escura e assustadora, Ogum, o Orixá das "guerras", saiu do local onde guarda todos os caminhos e dirigiu-se ao mar. Lá chegando, as sereias começaram a cantar e os seres aquáticos agitaram-se. Todos adoravam Ogum, ele era tão forte e corajoso. Iemanjá que tem nele um filho querido, logo abriu um sorriso.
— Ah, Ogum, que saudade, já faz tanto tempo! Você podia vir visitar mais vezes sua mãe, não é mesmo? — ralhou Iemanjá, com aquele tom típico de contrariedade. 
— Desculpe, sabe, ando meio ocupado. — respondeu um triste Ogum. 
— Mas, o que aconteceu? Sinto que estás triste. 
— É, vim até aqui para "desabafar" com você "mãezinha". Estou cansado! Estou cansado de muitas coisas que os encarnados fazem em meu nome. Estou cansado com o que eles fazem com a "Espada da Lei", que julgam carregar. Estou cansado de tanta demanda. Estou muito mais cansado das "supostas" demandas, que apenas existem dentro do íntimo de cada um deles... Estou cansado... 
Ogum retirou sua espada e a colocou no chão. Ele chorava. Chorava uma dor que carregava há tempos. Chorava por ser tão mal compreendido pelos filhos de Umbanda. Chorava por ninguém entender que se ele era protetor e austero, era porque em seu peito a chama da compaixão brilhava. E, se existe um Orixá leal, fiel e companheiro, esse Orixá é Ogum. Ele daria a própria vida por cada pessoa da humanidade, não apenas pelos filhos de fé. Ogum amava a humanidade, amava a vida. Mas, infelizmente, suas atribuições não eram realmente entendidas. As pessoas não viam em sua espada a força que corta as trevas do ego e logo a transformavam em um instrumento de guerra. Não via nele a potência e a força de vencer os abismos profundos, que criam verdadeiros vales de trevas na alma de todos. Não viam em sua lança a direção que aponta para o autoconhecimento, para iluminação interna e eterna. 
Não! Infelizmente ele era entendido como o "Orixá da Guerra", um homem impiedoso que utiliza-se de sua espada para resolver qualquer situação. E logo, inspirados por isso, lá iam os filhos de fé esquecer dos trabalhos de assistência a espíritos sofredores, a almas perdidas entre mundos, aos trabalhos de cura, esqueciam do amor e da compaixão, sentimentos básicos em qualquer trabalho espiritual, para apenas realizaram "quebras e cortes" de demandas, muitas das quais nem mesmo existem, ou quando existem, muitas vezes são apenas reflexos do próprio estado de espírito de cada um. E mais, normalmente, tudo isto torna-se uma guerra de vaidade, um show "pirotécnico" de forças ocultas. Muita "espada", muito "tridente", muitas "armas", pouco coração, pensamento elevado e crescimento espiritual. Isso magoava Ogum. Como magoava... 
— Ah, filhos de Umbanda, por que vocês esquecem que Umbanda é pura e simplesmente amor e caridade? A minha espada sempre protege o justo, o correto, aquele que trabalha pela luz, fiando seu coração em Zambi. Por que esquecem que a Espada da Lei só pode ser manuseada pela mão direita do amor, insistindo em empunhá-la com a mão esquerda da soberba, do poder transitório, da ira, da ilusão, transformando-a em apenas mais uma espada semeadora de tormentos e destruição...
Então, Ogum começou a retirar sua armadura, que representava a proteção e firmeza no caminho espiritual que esse Orixá traz para nossa vida. E totalmente nu ficou frente à Iemanjá. Cravou sua espada no solo. Não queria mais lutar, não daquele jeito. Estava cansado... 
Logo, um estrondo foi ouvido e o querido, mas também temido, Obaluaê apareceu. E por incrível que pareça o mesmo aconteceu. Ele não aguentava mais ser visto como uma divindade da peste e da magia negativa. Não entendia como ele, o guardião da vida, podia ser invocado para atentar contra ela. Magoava-se por sua alfanje da morte, que é o princípio que a tudo destrói, para que então a mudança e a renovação aconteçam, ser tão temida e mal compreendida pelos homens. Ele também deixou sua alfanje aos pés de Iemanjá e retirou seu manto escuro como a noite. Logo se via o mais lindo dos Orixás, aquele que usa uma cobertura para não cegar os seus filhos com a imensa luz de amor e paz que se irradia de todo seu ser. A luz que cura, a luz que pacifica, aquela que recolhe todas as almas que se perderam na senda do Criador. Infelizmente, os filhos de fé esquecem-se disto... 
Mas o mais incrível estava por acontecer. Uma tempestade começou a desabar, aumentando ainda mais o aspecto incrível e tenebroso daquela estranha noite. E todos os outros Orixás começaram a aparecer, para logo, começarem também a despir suas vestimentas sagradas, além de deixarem ao pé de Iemanjá suas armas e ferramentas simbólicas. Faziam isto em respeito a Ogum e Obaluaê, dois Orixás muito mal compreendidos pelos umbandistas. Faziam isto por si mesmos. 
Iansã queria que as pessoas entendessem que seus ventos sagrados são o sopro de Zambi, que espalha as sementes de luz do seu amor. 
Oxossi queria ser reverenciado como aquele que, com flechas douradas de conhecimento, rasga as trevas da ignorância. 
Um a um, todos foram se despindo e pensando o quanto os filhos de Umbanda compreendiam erroneamente os Orixás. 
Iemanjá, totalmente surpresa e sem reação, não sabia o que fazer. Foi quando uma irônica gargalhada cortou o ambiente. Era Exu. O controvertido Guia das encruzilhadas, o mensageiro, o guardião, também chegava para a reunião, acompanhado da Pombo-gira, sua eterna companheira de jornada. Mas os dois estavam muito diferentes de como normalmente se apresentam. Andavam curvados, como que segurando um grande peso nas costas. Tinham na face a expressão do cansaço. E os dois também repetiram aquilo que todos os Orixás foram fazer na casa de Iemanjá: despiram–se de tudo. Exu e Pombo-gira, sem dúvida, eram os que mais razões tinham de ali estarem. Inúmeros eram os absurdos cometidos por encarnados em nome deles. Sem contar o preconceito que o próprio umbandista ajudou a criar dentro da sociedade, associando-o à figura do Diabo, então, em meio ao seu sorriso, as lágrimas também desciam. 
Iemanjá estava desesperada... Estavam todos lá pedindo a ela um conforto. Mas nem mesmo a encantadora Rainha do Mar sabia o que fazer.
— Espere... Pensou Iemanjá — Oxalá, Oxalá não está aqui! Ele com certeza saberá como resolver esta situação. E logo Iemanjá colocou-se em oração, pedindo a presença daquele que é o Rei entre os Orixás. Oxalá apresentou-se na frente de todos. Também despiu-se de sua roupa sagrada, para igualar-se a todos, e sua voz ecoou pelos quatro cantos do mundo: 
— Zambi manda uma mensagem a todos vocês, meus irmãos queridos! Ele diz para que não desanimem, pois se poucos realmente os compreendem, aqueles que assim o fazem não medem esforços para disseminar estas verdades divinas. Fechem os olhos e vejam que mesmo com muita tolice e bobagem relacionada e feita em nossos nomes, muita luz e amor também está sendo semeado, regado e colhido por mãos de sérios e puros trabalhadores neste abençoado planeta Terra. Estes verdadeiros filhos de fé que lutam por uma Umbanda séria, sem os absurdos que por aí acontecem. Estes que, muito além de apenas prestarem o socorro espiritual, plantam as sementes do amor dentro do coração de milhares de pessoas. Estes que passam por cima das dificuldades materiais e das pressões espirituais, realizando um trabalho magnífico, atendendo milhares na matéria, mas também, milhões no astral, construindo verdadeiras bases de luz na crosta, aonde a espiritualidade e religiosidade verdadeira irão se manifestar. Estes que realmente nos compreendem e nos buscam dentro do coração espiritual, pois é lá que o verdadeiro amor reside e existe. Estes incríveis filhos de umbanda, que não colocam as responsabilidades da vida deles em nossas costas, mas sim entendem que tudo depende exclusivamente deles mesmos. Estes fantásticos trabalhadores anônimos espalhados pelo Brasil, que honram e enchem a Umbanda de alegria, fazendo a religião de Zambi brilhar e sorrir... 

Quando Oxalá se calou os Orixás estavam mudados. Todos eles tinham suas esperanças recuperadas, realmente viram que se poucos os compreendiam, grande era o trabalho que estava sendo realizado e, talvez, daqui a algum tempo, muitos outros iriam se juntar neste ideal. E aquilo os alegrou tanto que todos começaram a assumir suas verdadeiras formas, que são de luzes fulgurantes e indescritíveis. E lá, do plano celeste, brilharam e derramaram-se em amor e compaixão pela humanidade. 
Na Aruanda, os Caboclos, Pretos-velhos e Crianças fizeram o mesmo. Largaram tudo, também se despiram e manifestaram sua essência de luz, sua humildade e sabedoria, comungando a benção dos Orixás. 
Na Terra, Baianos, Marinheiros, Boiadeiros, Ciganos e todos os povos da Umbanda sorriam. Aquelas luzes que vinham lá do alto os saudavam e abençoavam seus abnegados e difíceis trabalhos. Uma alegria e bem-aventurança incríveis invadiram seus corações. Largaram as armas. Apenas sorriam e abraçavam-se. O alto os abençoava... 
Mas uma ação dos Orixás nunca fica limitada, pois é divina, alcançando a tudo e a todos. E lá no baixo astral, aqueles guardiões e guardiãs da Lei nas trevas, também foram alcançados pelas luzes Deles, os Senhores do Alto. Largaram as armas, as capas e lavaram suas sofridas almas com aquele banho de luz. Lavaram seus corações, magoados por tanta tolice dita e cometida em nome deles. Exus e Pombo-giras foram tocados pelo amor dos Orixás e, com certeza, aquilo daria força para mais muitos milênios de lutas insaciáveis pela Luz. 
Miríades de espíritos foram retirados do baixo–astral e pela vibração dos Orixás puderam ser encaminhados novamente à senda que leva ao Criador. E na matéria toda a humanidade foi abençoada.

Aos tolos que pensam que os Orixás pertencem a uma única religião ou a um povo e tradição, um alerta: os Orixás amam a humanidade inteira e por todos olham carinhosamente. Aquela noite que tinha tudo para ser uma das mais terríveis de todos os tempos, tornou-se uma benção na vida de todos. Do alto ao embaixo, da esquerda até a direita, as egrégoras de paz e luz deram as mãos e comungaram daquele presente celeste, vindo diretamente do Alto, a morada celestial dos Orixás. 
Vocês, filhos de Umbanda, pensem bem! Não transformem a Umbanda em um campo de guerra, onde os Orixás são vistos como "armas" para vocês acertarem suas contas terrenas. Muito menos se esqueçam do amor e compaixão, chaves de acesso ao mistério de qualquer um deles. Umbanda é simples, é puro sentimento, alegria e razão. Lembrem–se disso. 
E quanto a todos aqueles que lutam por uma Umbanda séria, esclarecida e verdadeira lembrem-se das palavras de Oxalá expressas na lenda acima. Não desanimem com aqueles que vos criticam, não fraquejem por aqueles que não têm olhos para ver o brilho da verdadeira espiritualidade. Lembrem-se que vocês também inspiram e enchem os Orixás de alegria e esperança.
Honrem a Eles. Sejam Luz, assim como Eles!