Blog da Casa de Caridade Luz Divina - dirigente espiritual Vovó Luiza

7 de julho de 2012

A verdade em Iansã

Muito antes de entrar para a Umbanda, quando o céu ficava numa mescla de rosa e alaranjado nos finais de tarde e o terreno todo se iluminava, eu sempre chamava meus filhos para "sentirem" a presença dos anjos na terra. Sempre ficamos quietos contemplando até que aquela maravilha se dissipasse e anoitecesse. Anos se passaram até que eu soubesse que aquele tipo de pôr-do-sol também representava Iansã.
Somos todos imagem e semelhança ao Divino e, ao meu ver, o que nos torna assim tão parecidos a Ele é a centelha que nos cabe. Na Umbanda e no Candomblé a centelha que nos forja são inegavelmente os Orixás.  Diz qual é tua natureza e te direi quem és, pois o Orixá fala muito de quem somos e como lidamos com nosso cotidiano. Creio que está mais do que na hora de ampliar o conhecimento sobre a Senhora dos ventos e das tempestades, dos raios que queimam e dos raios que colorem os entardeceres de verão.
Falar que filhos de Iansã são brabos e briguentos, simplesmente, é simplório demais. Talvez Iansã seja o Leão de Nietzsche em seu texto as Três Metamorfoses do Espírito. Iansã é a força que busca a liberdade acima de qualquer coisa e a liberdade é a condição de não se submeter a valores antigos, mas possibilitar que novos surjam, muito bem embasados em conhecimento. Para ser livre é preciso ter a capacidade de mudar sem aviso prévio, assim como os ventos e os pensamentos. Filhos de Iansã que não se movimentam acabam por adoecer fisicamente, porque isto vai contra a própria natureza. Esta mesma natureza nos impõe um só medo: a servidão. Nietzche ainda diz o seguinte dos que possuem alma de Leão, que traduz ainda mais Iansã: "Esfaimado, violento, solitário, ímpio, assim deve ser o querer leonino. Libertado de uma felicidade servil, dos deuses e dos cultos, sem medo, terrível, grande e solitário, assim deve ser o querer do verdadeiro. É no deserto que sempre viveram os verdadeiros, tal como os espíritos livres, senhores do deserto." Iansã, como Ogum, são guerreiros solitários. Enquanto Ogum abre caminhos, Iansã os percorre em busca da verdade. Sei que é difícil para alguns Pais e Mães no Santo lidarem com filhos de Iansã, mas há que se ter cuidado. Regras muito duras e inflexíveis, meias verdades e injustiças são ofensas pessoais para filhos deste Orixá. Iansã é uma protetora nata da Umbanda, pois esta religião é viva e está em movimento, então não pode se atrelar a conceitos petrificados. Está fadado ao fracasso e à espada de Iansã aquele que ensina aos filhos de corrente uma coisa e pratica outra. Iansã é retidão de caráter, é o raio que elimina as dúvidas, clareia a escuridão criada pelo homem.

Para os filhos de Iansã tudo é medido, pesado, avaliado na busca da verdade. E para se chegar a um resultado, a solidão é companheira. A força do leão que possuem é a energia transformadora da realidade.
Apesar de todos os atributos positivos que aqui coloquei, gostaria de citar Carl Jung que insiste sobre o perigo que representa a alma habitada pelo leão, devido à violência da sua paixão. Romper com o pré-estabelecido e tomar uma direção nova no pensamento é algo doloroso, e os filhos de Iansã suportam esta dor calados. Não conheço nenhum que não se martirize no parir "um novo conceito", uma nova forma menos injusta de conduzir sua existência.
A comprovação da existência da partícula de Deus, ou Bósson de Higgs, na semana passada me fez repensar na posição de Iansã na Umbanda. Lá no início, quando Zélio de Morais se revoltou em uma sessão espírita que não aceitava os espíritos dos mais simples e o impulsionou a criar a religião que hoje praticamos, não seriam os raios de Iansã em busca da verdade? Quando terreiros começam a desmoronar por não praticarem a caridade real e amorosa do Divino, que distinguem por classe social e volume nas carteiras de dinheiro, não seria esta mesma energia que determina o caos? Enquanto o Bósson de Higgs é a partícula que dá massa ao resto das partículas, não seria Iansã a partícula Divina que daria massa ao entendimento humano da fé umbandista?
Iansã, mais do que Orixá das Almas, é o Orixá da liberdade, do caos que cria a vida em plenitude, protetora aguerrida do livre-arbítrio, Senhora da Espada que, mais do que apontar a colheita conforme o que foi plantado, cria novas sementes no despertar de homens e mulheres que buscam a vida plena.
Eparrey!
Texto de Andréa Deren Destefani